domingo, junho 07, 2020

LVII

Um querer que me faz tão triste assim
Uma tristeza que é sempre tão leal
Que se esconde e se mostra e é sempre igual
E que sem consentir reside em mim

E que vai e que vem: volta mortal
E que dói como um não invés do sim
E me deixa saudoso com seu fim
Que comigo se faz tão natural

E sozinho me vou sem ter ninguém
No caminho uma luz em tom de azul
Ilumina a passagem do meu bem

Que me aquece e me esquece por prazer
Quando o corpo gelado do meu ser
Sente à espinha os ventos vindos do sul

sexta-feira, março 13, 2020

Trauma

Tamanha foi sua dificuldade
com a língua portuguesa
no colégio, que quando
adulto não sabia o que
era crase, mas conhecia
muito bem os hiatos.
Foi assim por todo a sua vida:
hiatizando o que era para crasear.
Morreu só.
A felicidade do corpo
Da mão na nuca
Dos cabelos na mão
Do revés do não
Do rosto no rosto
Do rosto na pele
Do lábio no lábio
Do dente no lábio
Do lábio na língua
Da língua na língua
Da língua no corpo
Do corpo no corpo
Do corpo na mão
Da mão espalmada
Sobre o ventre dela.
A beleza
da tristeza
se fez nascer
quando a felicidade
por maldade
gestante da dor
gerou o amor.
Cercando a lua
estão meus olhos
lavados de escuridão
atravessando nuvens
quebrando ventos
acordando as estrelas
que sonham distância
espantando os cometas
que vencem os séculos
Estão meus olhos
cercando a lua
implorando altura
num sentimento de posse
que o amor nos implica

E a lua - serena, calma
que não rejeita um amante sequer
me olha com seu grande
olhar de compaixão
e lacrimejando sua luz
sobre minha paisagem, diz:
-Hoje dormirei contigo.

Devaneio cotidiano

Por tantos sacrifícios cheguei aqui,
tantas guerras e revoluções,
tanta morte e tanta vida jogadas
mundo a fora - tudo vão.
Tudo:
O que eu não sei, o que ninguém sabe,
O que fingimos saber:
O que poderá se fazer?
Os minúsculos componentes da matéria.
Cada simples célula do meu corpo.
A infinitude do universo.
Há vida lá fora?
Há vida?
O sol ofusca meus olhos.
O azul do céu esbranquiçado
pelas nuvens deslumbra-os.
Mas ao voltar, vejo-me novamente
insignificante, burro e mesquinho
perante tudo.

Num mundo parelelo, o cigarro vai deixando
uma cinza cilindrica no cinzeiro
e a fumaça vai lentamente
se esvaindo no espaço.
Escondi tudo de mais
valioso que eu tinha
numa caixa de papelão
na parte mais alta
do armário mais alto
que tinha lá em casa

Todos passavam e
olhavam-na indiferente,
somente eu a fitava
orgulhoso por ser
o único que sabia
o que ela significava

O tempo passou e eu a
esqueci e a deixei ser
engolida pelas teias de
aranha e pelas traças

Um dia desses, curioso,
me dei o trabalho
de pegá-la e limpá-la
quase desmanchando
em minhas mãos:
Abri-a com cuidado:
chorei

XLIII

Eu não soube o que pensar... olhei-o...
Tinha muita fome e estava com frio,
No rosto alguma vertente de um rio
Que de tanto chover estava feio.

Talvez trouxesse algum amor no seio,
Talvez no peito ele tivesse um brio,
Ou talvez fosse só mágoa, sangue e ódio
E fosse de infinitas dores cheio.

Tinha dois companheiros de desgraça:
Era um cusco véio e uma cachaça:
O cusco amenizava a solidão,

A cachaça a fome, o frio e o tormento...
Aproximei-me devagar, atento...
E ele sussurrou: Prazer, sou João.

L

A lua alta cobrindo o firmamento;
O vento testemunha do meu pranto
E um manto estrelado num momento
Sente comigo o mesmo desencanto.

A madrugada fria, o tempo lento;
Meu sofrimento canta um triste canto
De quanto choro, dor e desalento
Que só sabe cantar quem chorou tanto.

E quando busco a causa disso tudo
Fico mudo e não sei o que em mim vejo:
Eu sobejo em mentiras e me iludo.

Estudo não saber o que desejo;
Calado arquejo - Penso o infinito:
Esse vazio imenso que em mim grito.

domingo, julho 12, 2015

A primeira lágrima
Brilhou nos olhos
Repentinamente,
Ofuscando a visão.
Não se encontra
Força para enxugá-la
E ela traça livre
O próprio caminho
Por entres as rugas
Do rosto franzido:

Não há razão nos sentidos:
Silêncio...
Silêncio e mais nada.
A lágrima chora deixando
Marca de amor
Na pele tocada e
Um rastro lúgubre
de lágrima
Rolada.

Ela acaricia o rosto
Com sofreguidão.
Beija a boca
Demoradamente.
Perde-se na vertigem
Daquela tristeza,
Traçando seu caminho
De lágrima solitária...

Chegando ao fim,
Agarra-se em desespero
Aos poros
Daquele rosto
Que lavou!
Apaixonada, sente
A morte iminente -
A morte iminente
De lágrima
Rolada -

Saudade dos olhos!
Saudade do beijo!
Saudade da pele
Que acariciou!

O rosto também a segura
Fortemente pelos átomos,
Enquanto lá em cima
Brilham lágrimas
Que não ofuscam...

Ela cai.
Tanto esforço vão.
Lá vai ela cumprir,
Abandonada,
O seu destino infeliz
de lágrima
Rolada.

Morrendo sobre o peito
Que lhe deu a vida.

Composição

Procuro no escuro
tudo o que é
e que seja:
que sempre foi

tateio no vento
as palavras
que não aprendi
a dizer

e quando perco
minhas forças
o corpo pende
os braços caem

e tudo o que
sempre foi
não é, nem será,
apenas está

e as palavras
que não aprendi
a dizer são
as únicas que existem

a poesia se esconde,
o sentimento não
sabe gritar
sua liberdade

o escuro torna-se
cada vez mais
escuro e escuro
e uma lágrima cai:

uma lágrima é a prova
da mudez da tristeza
e o silêncio, sim, sempre
foi, é e também será.
Morreu meu avô.
Velho e abatido.
Morreu aos 69 anos:
Culpa do cigarro.

Morreu de um câncer
Na garganta que o
Levou em pouco mais
De seis meses.

Lembrei disso por
Estar com um
Cigarro na mão agora,

No qual, esporadicamente,
Dou uma tragada:
Como é bom o morrer!

XVIII

Vou sem pressa cavando a sepultura
Onde meu corpo frio irá jazer
Quando ele deixar essa vida dura
E no descanso eterno ele viver

Pois não aguento mais tanta tortura
Sem gozar de um só dia de lazer
E de sol a sol minha pele escura
Não pára nunca mais de escurecer

Por isso peguei minha pá e cavei bem fundo
A cova demorou pra se aprontar
Pois meu corpo já estava morimbundo
E a terra era difícil de cavar

Mas agora partindo desse mundo
Eu nunca mais na vida hei de voltar.
Meu coração tem amores
que nem eu conheço
tem tantos segredos
queimando flores
tem desconhecidos horrores
que me enchem de medos
Meu coração tem dores
que nem eu sinto
tem cores
de vinho tinto
banhando com seu vermelho
o espelho
do meu sonho lindo
Meu coração de tanto sentir
sem saber que se sente
acabou indiferente
ao porvir:
de tanto mentir
sem saber que mente.
Em cada passo
que vai trilhando
o caminho que faço.
Sinto que passo.

E o meu luto
do tempo que morre
é cada minuto.
E eu não luto.

E permaneço mudo
sempre querendo
mudar tudo.
E nunca mudo.

Eu sinto que passo.
Mas não luto.
Mas não mudo.
Se é partido que se vai
Se é perdido que se vem
Como entrar nesse trem,
Pai?

Como a vida desse lírio
É bonito que se vem
Ressequido que se vai,
Filho.

Como a pergunta que se faz
A resposta que se tem
A morte se desfaz,

Se é sabido que se vai
Desconhecido por que se vem
Por que lutar também,
Pai?

Para que esse estribilho
Que na vida canta e voa
Ressoe em outros corações,
Filho.

Respira essa paisagem

porque quando perceberes

que estás de passagem

será tarde para teres

essa aragem

a teu dispor.



Respira com a dor

de despedi-la em breve

porque é leve

a tua vida.

Ligando os pontinhos um a um
Eu faço nas estrelas
O rosto dela
Costurado em alto relevo:

A lua se torna irrelevante.

XIX

Pássaros cantando canto de horror?
Eu os escuto, eles estão com medo.
Sim!... alguém descobriu-lhes o segredo
De não saberem mais cantar amor.

Agora, voa torto o beija-flor
De flor em flor não sabe mais voar
Parece que não mais sabe amar
E que de súbito encheu-se de dor...

O quero-quero não cuida seu ninho,
Nem o joão de barro da construção,
Nem mesmo a coruja da noite escura,

O pavão perdeu sua formosura,
E a garganta do rouxinol então
Foi atravessada por um espinho...

quinta-feira, junho 18, 2015

Será?
Uma pergunta que
frusta esperanças.
Quando estou quase
certo ela rasga
meu pensamento.

Maldito futuro
do verbo ser!
Quando é que
tu será presente
sem interrogação?

Enquanto isso
eu sigo aqui
sem definição.

quinta-feira, julho 31, 2014

Epitáfio de um exilado

Voltou ao estado do qual
nunca deveria
ter saído.

quinta-feira, agosto 18, 2011

É com sol que se faz o dia,
não com essa letargia
que me deixa mole
e o tempo engole a vida que há em mim
e não há saída nem verdade
além desse fim de tarde
que se apresenta como um Deus.

quarta-feira, abril 09, 2008

Que culpa tenho eu
de sentir e
saber que o porvir
não revela muito do que
poderia ter sido
e as possibilidades
se perdem no desconhecido.
É agora que eu mudo.
É agora que eu sinto.
Não será num ontem
Nem num amanhã,
e tudo parece tão errado
tão fora do enredo
tão sem contexto
como se descobrisse
que o curso natural
dos acontecimentos
nunca fora tão natural assim.
Mas que culpa tenho eu
de querer e
pasmar ao ver
cada linha do teu rosto
cada nuança dos teus olhos
cada timidez no teu sorriso
que culpa tenho eu?
que culpa?

terça-feira, março 18, 2008

Quantas vezes a ti mesmo negaste
na angústia de caminhar em vão?
Quantas vezes a esmo caminhaste
com teu companheiro a te negar um pão?

Tuas botas sem meia, teus panos em traste,
tua boca sedenta de uma oração.
A ave-maria aparece covarde
no pulso ferido do teu irmão.

Revoltas revolto nos teus espelhos
os olhos latentes mirados pro chão.
Tua força não leva mais o signo vermelho,
nem martelo nem foice o teu brasão.

O sonho perdido não tem cor.
A juventude derrotada não tem símbolo.
Não tem estandarte o fim do amor.
Não tem nome o que jaz no limbo.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

XIX

Quando pensei que já era tarde,
Tu apareceu trazendo um novo dia,
Enchendo de calor minha noite fria,
Tornando orgulhoso o que era covarde.

Com olhos puros, sem fazer alarde,
Lânguido coração que em mim sofria
Ensimesmado em sua melancolia,
Transformou no coração que em mim arde.

E eu que sempre amei luas e estrelas
Porque acreditava na solidão
Dos astros, agora abro as janelas

E percebo que o espaço está em chamas,
Transbordando sedento de paixão.
Por saber, meu amor, que tu me amas.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Caminho em direção
ao nada do que sou
do que tu é.
Repasso quando chega
a noite, o nada
do que é o dia.
Preencho essa ausência
com a melancolia
que nos é bem comum.
Mas não paro nunca,
com a cabeça erguida
sigo em frente.
Mesmo sem saber
por que estar
por que lutar
por que vencer
por que ser
mesmo sem saber.

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Quero conquistar-te
todos os dias
amar-te agora e
renovar o amor a casa instante
e receber a inevitável dor
como a fiel precursora
da alegria

E então quero
encantado em teu sabor
sem cansaço e sem suor
e sem elegia
pintar-te dentro
de mim em poesia
fazendo do teu sorriso
toda a cor e
nuança da arte

Para quando me sentir
sem chão sem pátria
sem mundo
para quando meu coração
esvaziar-se de repente
sem razão
eu possa te ver te sentir
e te querer em toda parte
e ostentar teu amor
como estandarte

sexta-feira, novembro 02, 2007

A casa fala.
Os espelhos enxergam
Mais do que imaginamos.
Cada canto tem uma história
Pra contar.
Nós vivemos o presente
Não há dúvida.
Mas tudo o que passou
Nos olha cheio de ira
pelo não saber aproveitar.

A casa fala
Bem baixinho...
As vozes estão enclausuradas
Numa perpétua vontade de
Gritar. Numa ânsia de vida.
Cada canto esconde uma ruga,
Eu bem sei.
O novo, o belo, o futuro,
Nada pode me enganar...
Eu sei que o que passa
Fica no mesmo lugar.

Levantam-se gritos!
As portas rangendo
São meus ossos envelhecidos.
O cheiro de mofo é o
Guardado do meu sexo...
Rebenta choro de
Séculos passados
Lágrimas que não
Puderam rolar.
Lágrimas que choram por mim!
Lágrimas que são meus
Desejos escondidos
Sabe-se lá onde...
Só agora descobri!
Desejos meramente desejados!

Esperneia o tempo passando.
Não há como parar!
Rebenta ponteiro do relógio
Que eu não quero mais
Te escutar...
Passar, passar, passar...
Até quando passará?
A casa guarda teus segredos,
Por que só eu te ouço falar?

Ah! Mas eu não agüento
o tédio!
O meu corpo se perde
Na morte que o aguarda,
Mas ainda falta tanto tempo?
Os dias se vão tão rápidos
Com os minutos tão lentos!

Mas a casa...
A casa não sabe que horas são.

quarta-feira, outubro 10, 2007

LV

O que será que ela leva na boca,
Na pele? que encanto traz nos cabelos
Que prende e arrasta meus olhos ao vê-los?
Que paixão é essa que ferve louca?

O que será que ela tem que me rouba
Todos os pensamentos e quer tê-los
Somente dela e ao enlouquecê-los
Me morde e rasga com dentes de loba?

De onde vem ela assim de repente
que desnorteia o caminho sabido?
Me leva lasciva onde minha retina

Jamais ousara pousar sua lente,
E faz febre o que frio teria sido,
Sendo quente até mesmo no nome: Kétina.

quarta-feira, outubro 03, 2007

LIII

Busco o amor que ame sem explicação.
Apenas ame, sem mais nem por que...
E que saiba num só olhar dizer
O que não sabe dizer a razão.

Que de repente faça o coração
Congelado queimar-se todo em brasa
E que faça da brasa uma paixão
Que sem precisar alarmar arrasa...

E que não seja imposto pela atitude
Que planeja em detalhes o futuro
(um plano sempre é feito de ilusão)

Busco o amor imenso na quietude;
O amor que se esconde atrás do muro;
O amor que ame sem explicação...